6 de fev. de 2009

Por um dia como antigamente (by Tercio)

Em 22 de Abril de 1918, perto do fim da Primeira Guerra Mundial, o corpo do alemão Manfred Von Richthofen foi sepultado por seus oponentes. Conhecido por seus memoráveis feitos militares, incluindo a recordista façanha de derrubar 80 aviões inimigos em combate, o Freiherr, o "Free Lord" ou o ainda o Barão Vermelho, como ficou conhecido por seu avião vermelho e sua origem nobre, é o representante maior de uma maneira especial e diferente de se combater nessa guerra.

Em contraste aos desumanos combates travados em solo, dentro de fétidas e úmidas trincheiras, as batalhas aéreas da Primeira Guerra tinham enorme semelhança com as famosas Justas de Cavalaria da Idade Media. Nessas Justas, realizadas em torneios, o cavaleiro com sua enorme lanças de madeira cavalgava em direção ao seu adversário em arenas de até 300 metros, buscando derruba-lo de seu cavalo e junto com isso a honra e a gloria que a vitória atrelaria ao seus nomes. Não se buscava a morte do oponente (embora não tão raro isso acontecesse). A prova final de sua habilidade e o merecido respeito eram amparados por todo um sistema e um código de honra que regulava suas ações, descritos em parte na honra e no respeito aos adversários.

Se recuarmos a Roma antiga, dentro do Coliseu cerca de 70 mil pessoas se reuniam para presenciar diversos jogos cuja principal atração era a famosa batalha entre gladiadores. Há um aspecto interessante que muitas vezes passa despercebido quando se fala dessas batalhas. Embora nesse caso a margem de mortos fosse consideravelmente maior que numa Justa Medieval, uma grande parte desses combatentes vencia na verdade, pelo cansaço. Eles lutavam tão avidamente, por tanto tempo e muitas vezes com armaduras tão pesadas, que a batalha terminava não quando alguém era levado a morte, mas quando exausto, dizia que não agüentava mais e pedia pra parar (De forma semelhante como viria a fazer um lutador de Jiu-Jitsu imobilizado no tatame, ou um novo recruta quando treinado pelo implacável Capitão Nascimento). No final, cabia ao público e ao imperador decidir pela vida ou morte do derrotado.

Essa decisão normalmente se baseava no quanto o publico compreendia que aquele oponente, mesmo que derrotado, tinha lutado ou não com bravura e habilidade. Se a resposta fosse positiva, um sinal positivo era feito com o dedo polegar e sua vida era poupada, no melhor estilo Big-brother. Vale aqui destacar que, apesar da diferença da gravidade da problemática em análise, existe um profundo abismo entre os critérios culturais e morais na análise e julgamento utilizados pelo público, em relação a nossa televisiva versão contemporânea.

As batalhas dos pilotos da primeira guerra tinham também seus códigos. Por exemplo, nunca se atirava num piloto que perdesse o combate e pulasse com um pára-quedas de seu avião. Uma vez este derrubado, a batalha estava ganha e não havia mais razão para se continuar a perseguição. Alguns diriam que os generais que ficavam no solo se
aborreciam profundamente com esses sistemas e essas batalhas, dizendo que os pilotos seriam muito mais úteis bombardeando os campos inimigos do que travando esses duelos pessoais.

O episodio do enterro de Manfred Von Richthofen é descrito como uma homenagem digna de um herói. Celebrada em solo inimigo, por combatentes dos exércitos inimigos. Centenas de pilotos compareceram e comenta-se ainda que vários deles chegaram a chorar na cerimônia. Certamente, esses pilotos "marchavam ao som de um outro tambor".

Penso que talvez exista mesmo alguma razão no pensamento que diz que "os mortos governam os vivos". Ou quem sabe, apenas existam alguns princípios que no fundo governem os dois...

No dia 01 de fevereiro de 2009 fui alegremente surpreendido por um singelo episodio no esporte mundial. Na sua devida proporção, especificidade e claro, imerso na implacável piscina da sua temporalidade. No mesmo instigante principio esse episodio na verdade, foi o que se inspirou toda essa reflexão.

Não diria que sou um grande fã desse esporte... Mas certamente, fiquei fã desses caras.
Fica aqui o episodio (endereço do you tube) nas palavras deles mesmos. Eu não poderia fazer melhor...



(Este texto acima é de autoria do Tercio (o filho historiador) que não tem - ainda - um blog. Aliás, quem tem também um blog é o Emilio Neto (o filho teólogo) que por coincidência, escreveu sobre o mesmo assunto, motivado pelo mesmo evento. o texto se chama Rivalidade, Agonia e Maestria. Clique aqui para parte 1. Vale a pena dar uma conferida. Honra ainda é importante...)

5 comentários:

Anônimo disse...

Como assim o filho HITORIADOR?
Eu sou o filho CRAQUE DE BOLA!
ahahahaha
beijos,blue
uma honra participar do seu blog
;)

Emilio - Entre dois mundos disse...

Mandou muito Tecone! E a foto do Snoopy barão vermelho foi uma idéia fabulosa...
P.S. Eu também sou craque de bola, ele falou historiador pra poder diferenciar.

Anônimo disse...

Que coisa interessante!

Enquanto lia o texto, inteligente, instrutivo, empolgante... ficava em suspenso esperando aquela picardia do seu conhecido humor e percebi "algo estranho". Familiar em alguns aspectos, a exposição me intrigou, queria chegar no final e... tchan, tchan, tchan, tchan!!!
... o autor era outro!!!!

Êta família brilhante! Parabéns pela sua bela estréia, Tércio, já que você é o homem das Artes.

Gostei muito, assim como as impressões abordadas pelo Emilio Neto no mesmo assunto e outros de altíssimo padrão.

Parabéns Emílio Filho pelo excelente DNA.

EMILIO GAROFALO FILHO disse...

Maria Laçalete diz:
Ler a postagem em questão (do Tercio), Emi, acabou me remetendo à época em que introduzi meus filhos em aulas de taekwondo (acho que é assim que se escreve...), onde muitas vezes, inebriada ouvia o professor falando sobre “respeito, honra, obediência, lealdade, integridade, perseverança, autocontrole e espírito indomável”... Isso me parece em um tempo já muiiiitttooo distante...
Excelente o tema escolhido, pois esclarece e define de certa forma, a realidade de hoje, sobre a substituição dos valores acima e o esquecimento da dedicação ao crescimento interno e moral do ser humano, em favor do imediatismo, do oportunismo, do consumismo e do culto excessivo ao corpo.
Lamentável mil vezes!! E parabéns a mim, parabéns a vc e parabéns a todos aqueles que conseguiram formar e criar filhos com lastro e alicerces embasados em princípios morais em extinção.
Kisses - Laça

(por alguma razão ela - Maria Laçalete - não curte escrever direto no blog e me manda por E-mail o comentário e a autorização para postar aqui. Fico feliz da mesma maneira e espero que continue criticando, de uma forma ou de outra.)

Daniel Araujo disse...

Ah, senhor Emílio... É bom saber o garoto de ouro que tem nas mãos. Em quase três anos dando aulas, a melhor surpresa que obtive no Alub foi conhecer esse garoto de cabelos reluzentes nos corredores do cursinho e, para minha própria sorte, cultivar sua amizade.
Amizade que teve seu primeiro marco quando ele entrou em sala de aula, tocou e cantou “Everybody want’s to rule the world” enquanto eu passava o quadro de Segunda Guerra Mundial. Amizade que me empolga a entender música. Amizade que me leva pra sair, que me bota pra cima, que me ensina. Amizade que compartilha comigo os tablados e conta essa mesma História, antes de queimarmos (literalmente) os medos dos alunos e ouvir da sua boca um fragmento da obra de John Donne.
E observo, aqui escrevendo, que palavras são poucas para expressar a dimensão da amizade com esse garoto franco, justo, bom, atencioso e – de acordo com as próprias alunas – carrega a pureza no olhar.
Mais uma vez, você arrasou, Tércio.