23 de set. de 2013

ENTREVISTA AO VALOR ECONÔMICO (EDIÇÃO IMPRESSA FIM DE SEMANA)

20 a 22/09/2013 

Câmbio de equilíbrio está perto de R$ 2,50, diz Garofalo

·         Por José de Castro, Silvia Rosa e Angela Bittencourt | De São Paulo
Garófalo, ex-BC: "Tendência de alta gradual não se modificou, mas decisões como as do Fed, provocam essas oportunidades"
O processo de ajuste verificado na taxa de câmbio brasileira neste ano, que passou de R$ 1,95 para R$ 2,45 em pouco mais de cinco meses, retornando para a casa dos R$ 2,20 após a decisão do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) de manter o programa de estímulos monetários foi insuficiente para aumentar a competitividade do Brasil. Essa é a opinião de Emílio Garófalo Filho, do Banco Ourinvest, que acumulou passagens pelo governo. Ele foi funcionário de carreira do Banco Central, foi assessor do ministro da Fazenda, Guido Mantega e, por dois anos e meio, foi secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), posto que deixou em abril.
Para o economista, a taxa de câmbio de equilíbrio está mais próxima de R$ 2,50 do que do nível atual. Garófalo afirma que a tendência de alta gradual do dólar não se modificou, mas não vê mais a necessidade de o Banco Central manter o programa de venda diária de dólares por meio de instrumentos de derivativos, anunciado em 22 de agosto. Em entrevista ao Valor, o economista defende que o governo e o Banco Central deveriam "pilotar rigorosamente essa evolução cambial", buscando administrar o "trade-off" entre câmbio e inflação. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: A decisão do Fed trouxe uma correção do dólar para perto de R$ 2,20. O que isso significa para o Brasil? Essa valorização do real é algo temporária?
Garófalo: A primeira constatação é que é tempo de hedge. A volatilidade está alta, não há rumo definido e as ações tomadas nos EUA acabam sendo decisivas para a definição da nossa taxa de câmbio. Quando o Fed anunciou que prosseguiria na política de "juros quase zero", o mercado reagiu com um "espanto especulativo" e trouxe o dólar a R$ 2,19. No dia seguinte voltou a R$ 2,21 e o mercado parece querer buscar a "bandinha" que ele mesmo determinou entre R$ 2,25 e R$ 2,30 por US$ 1. Creio que a tendência de alta gradual não se modificou, mas decisões, especialmente como as do Fed, provocam essas oportunidades para que especuladores se agitem e promovam a volatilidade. O movimento real (se incluirmos posição dos bancos e dos exportadores) não justifica a oscilação da taxa.
Valor: Se a correção do dólar para um patamar mais baixo tem caráter temporário, qual proveito que o governo brasileiro pode tirar desse momento?
Garófalo: Pode, por exemplo, parar de vender dólares, por meio de derivativos, como vem fazendo no programa de leilões diários.
O mercado parece querer buscar a 'bandinha' que ele mesmo determinou entre R$ 2,25 e R$ 2,30/dólar"
Valor: O Banco Central não demonstra disposição, ao menos por ora, de abandonar o programa de leilões diários. A permanência do BC como provedor de dólares ao mercado não pode levar a um "overshooting" para baixo?
Garófalo: Claro que o BC deve evitar uma queda excessiva da taxa de câmbio, tendo sempre em vista que a economia real precisa ter condições mínimas de planejamento. Se alguém se programou para vender mercadorias com o dólar cotado a R$ 2,45 (de semanas atrás) pode estar em situação complicada com a moeda americana a R$ 2,20. Da mesma forma, o BC deve segurar a alta excessiva da taxa de câmbio, vis-à-vis a inflação.
Valor: Então, o senhor defende uma mudança no programa de intervenção diária do BC? O ideal seria intervir só quando necessário?
Garófalo: Claro que sim. Sem dúvida.
Valor: A opção do BC por sinalizar e dimensionar suas intervenções é o melhor caminho a seguir?
Garófalo: Tem vantagens e desvantagens. Eu particularmente prefiro o modelo em que o BC age exatamente como o mercado, isto é, sem avisar antes. Mas reconheçamos que essa transparência tem a vantagem de sinalizar ao mercado que o BC estará presente e que, portanto, não precisa (o mercado) entrar em colapso ou empreender fuga maciça de capitais. No entanto, ao anunciar previamente seus movimentos, permite que os agentes de mercado se preparem e possam especular contando com essa presença anunciada. Isso acaba equivalendo a não fazer. Mas de qualquer forma acho que a estratégia tem sido positiva.
Valor: O senhor vê a necessidade de um ajuste maior da taxa de câmbio para reduzir o déficit em conta corrente, que alcança 3,39% do PIB no acumulado de 12 meses até julho? Qual a sua perspectiva em relação ao fluxo cambial para o Brasil?
Garófalo: O déficit estrutural de conta corrente está aí há décadas. Se você tirar o superávit comercial dos últimos cinco anos você vai ver que o buraco é parecido. Vem crescendo a cada ano porque não temos mais empresas de transporte. Na medida em que cresce o comércio exterior aumenta, por exemplo, a despesa com transporte, porque só usamos navios estrangeiros. E cresce a conta de seguros, porque fazemos seguros no exterior. No fundo, o déficit de conta corrente reflete o aumento da nossa atividade. Isso é estrutural. Precisamos reverter o quadro de serviços, a começar pelo turismo.
Valor: Qual seria a taxa de câmbio para equilibrar esse déficit?
Garófalo: Acho que acima de R$ 2,50. Não digo por cálculo mágico, mas pela experiência de três anos na Camex e de 40 anos de câmbio. Mas o governo tem que pilotar rigorosamente essa evolução cambial, não pode deixar solta. Tanto que quando o câmbio passou de R$ 2,40 o BC fez uma intervenção bastante forte, porque tem a inflação do outro lado. É um "trade-off" entre ajuste de câmbio e inflação. O BC vai ter que administrar essa luta.
Valor: Mas se o câmbio for a R$ 2,50 continuaremos com uma inflação nesse nível e com uma Selic abaixo de 10%?
Garófalo: Acho que teria que dar um pouco mais de juros. Não sei que outros fatores estão interferindo na inflação. Parece que estamos com preço de gasolina represado e o das passagens de transportes público também. Não sei se isso vai ficar para o ano que vem. Há uma série de incógnitas.
Valor: Quando a balança comercial começará a reagir à taxa de câmbio mais desvalorizada?
Garófalo: A pergunta é difícil. O reajuste cambial de 1999 bateu na balança apenas em 2002, 2003 na verdade. Porque é a tal história: quando o exportador deixou de exportar por conta de preço, ele perdeu mercado. Não é porque o câmbio subiu que ele vai colocar produto lá fora. Primeiro tem que se convencer de que o câmbio vai ficar bom para ele. Não é uma coisa de um ou dois dias. Depois tem que sair reabrindo mercado, procurando clientes um a um. Tem um "lag" (atraso) aí de pelo menos um ano para impactar a balança comercial.
Valor: Só o câmbio é suficiente para o país ser competitivo?
Garófalo: Não é suficiente, mas é necessário. Tem um debate se o câmbio deve ter muita interferência, se deve ser deixado livre ou não. O primeiro parceiro comercial do Brasil, a China, não tem câmbio livre. O segundo, os Estados Unidos, não tem câmbio, e mesmo assim estão lá fazendo um tal de "QE" [afrouxamento monetário], despejando dinheiro todo dia para enfraquecer o dólar. Nosso terceiro parceiro, a Argentina, também não tem câmbio livre. O Japão não tem câmbio livre, a Suíça também não. Acho que o Brasil tem que perder a vergonha e botar o dedo no câmbio mesmo.

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