10 de out. de 2009

SAUDADES III - PESSOA E ATAULFO

Há um poema de Fernando Pessoa, de 1935, que fala de forma indireta, porém inequívoca, de ‘saudade’. Refere-se às coisas que não fazem diferença, ou não nos emocionam, quando as temos à mão. Mas que queremos muito quando estão fora do alcance:

“Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei-de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?”


De forma mais direta, Ataulfo Alves já compusera um dos mais belos versos da língua portuguesa, expressão de
sofisticadíssima simplicidade (proeza ao alcance exclusivamente dos poetas) ao falar de Saudades em “Meus tempos de criança”, poema-canção que tem como fecho “eu era feliz e não sabia”. É, no fundo, o sentimento de Pessoa em relação às rosas: “quero-as quando não as possa haver”.
Na sua singeleza, Ataulfo disse:
“Eu daria tudo que tivesse pra voltar aos tempos de criança
Eu não sei pra que que a gente cresce, se não sai da gente essa lembrança”

Na continuação, Pessoa reitera o conceito:
“Não quero a noite senão quando a aurora

A fez em ouro e azul se diluir.

O que a minha alma ignora

É isso que quero possuir.

Para quê?... Se o soubesse, não faria
Versos para dizer que inda o não sei.

Tenho a alma pobre e fria...

Ah, com que esmola a aquecerei?...”


Essa “alma pobre e fria”, mesmo não mencionada nessa forma, está no lamento de Ataulfo, recordando a inf
ância:
“Aos domingos missa na matriz / Da cidadezinha onde eu nasci
Ai, meu Deus, eu era tão feliz
/ No meu pequenino Miraí

Que saudade da professorinha / Que me ensinou o beabá
Onde andará Mariazinha / Meu primeiro amor onde andará?
Eu igual a toda meninada
/ Quanta travessura que eu fazia
Jogo de botões sobre a calçada
/ Eu era feliz e não sabia”

Saudade talvez seja isso: com a “alma pobre e fria”, querer coisas pessoas e sentimentos já fora de alcance, de um tempo em que se era feliz sem saber. E isso faz pensar que a Saudade talvez seja - simplesmente - uma parte de cada um nós, forjados que fomos nas agruras e alegrias dessa vida que foi capaz de montar, peça a peça, o que somos hoje. Cada um de nós e as circunstâncias... Cada "eu", com erros e acertos!

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