20 a 22/09/2013
Câmbio
de equilíbrio está perto de R$ 2,50, diz Garofalo
· Por José de Castro, Silvia Rosa e Angela
Bittencourt | De São Paulo
Garófalo, ex-BC: "Tendência de alta gradual não se modificou,
mas decisões como as do Fed, provocam essas oportunidades"

Para o economista, a taxa de câmbio de equilíbrio está mais
próxima de R$ 2,50 do que do nível atual. Garófalo afirma que a tendência de
alta gradual do dólar não se modificou, mas não vê mais a necessidade de o
Banco Central manter o programa de venda diária de dólares por meio de
instrumentos de derivativos, anunciado em 22 de agosto. Em entrevista ao Valor, o economista
defende que o governo e o Banco Central deveriam "pilotar rigorosamente
essa evolução cambial", buscando administrar o "trade-off" entre
câmbio e inflação. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: A decisão do Fed trouxe uma correção do dólar para perto de
R$ 2,20. O que isso significa para o Brasil? Essa valorização do real é algo
temporária?
Garófalo: A primeira
constatação é que é tempo de hedge. A volatilidade está alta, não há rumo
definido e as ações tomadas nos EUA acabam sendo decisivas para a definição da
nossa taxa de câmbio. Quando o Fed anunciou que prosseguiria na política de
"juros quase zero", o mercado reagiu com um "espanto
especulativo" e trouxe o dólar a R$ 2,19. No dia seguinte voltou a R$ 2,21
e o mercado parece querer buscar a "bandinha" que ele mesmo
determinou entre R$ 2,25 e R$ 2,30 por US$ 1. Creio que a tendência de alta
gradual não se modificou, mas decisões, especialmente como as do Fed, provocam
essas oportunidades para que especuladores se agitem e promovam a volatilidade.
O movimento real (se incluirmos posição dos bancos e dos exportadores) não
justifica a oscilação da taxa.
Valor: Se a correção do dólar para um patamar mais baixo tem
caráter temporário, qual proveito que o governo brasileiro pode tirar desse
momento?
Garófalo: Pode, por
exemplo, parar de vender dólares, por meio de derivativos, como vem fazendo no
programa de leilões diários.
O mercado parece querer buscar a 'bandinha' que
ele mesmo determinou entre R$ 2,25 e R$ 2,30/dólar"
Valor: O Banco Central não demonstra disposição, ao menos por ora,
de abandonar o programa de leilões diários. A permanência do BC como provedor
de dólares ao mercado não pode levar a um "overshooting" para baixo?
Garófalo: Claro que o
BC deve evitar uma queda excessiva da taxa de câmbio, tendo sempre em vista que
a economia real precisa ter condições mínimas de planejamento. Se alguém se
programou para vender mercadorias com o dólar cotado a R$ 2,45 (de semanas
atrás) pode estar em situação complicada com a moeda americana a R$ 2,20. Da
mesma forma, o BC deve segurar a alta excessiva da taxa de câmbio, vis-à-vis a
inflação.
Valor: Então, o senhor defende uma mudança no programa de
intervenção diária do BC? O ideal seria intervir só quando necessário?
Garófalo: Claro que
sim. Sem dúvida.
Valor: A opção do BC por sinalizar e dimensionar suas intervenções
é o melhor caminho a seguir?
Garófalo: Tem
vantagens e desvantagens. Eu particularmente prefiro o modelo em que o BC age
exatamente como o mercado, isto é, sem avisar antes. Mas reconheçamos que essa
transparência tem a vantagem de sinalizar ao mercado que o BC estará presente e
que, portanto, não precisa (o mercado) entrar em colapso ou empreender fuga
maciça de capitais. No entanto, ao anunciar previamente seus movimentos,
permite que os agentes de mercado se preparem e possam especular contando com essa
presença anunciada. Isso acaba equivalendo a não fazer. Mas de qualquer forma
acho que a estratégia tem sido positiva.
Valor: O senhor vê a necessidade de um ajuste maior da taxa de
câmbio para reduzir o déficit em conta corrente, que alcança 3,39% do PIB no
acumulado de 12 meses até julho? Qual a sua perspectiva em relação ao fluxo
cambial para o Brasil?
Garófalo: O déficit
estrutural de conta corrente está aí há décadas. Se você tirar o superávit
comercial dos últimos cinco anos você vai ver que o buraco é parecido. Vem
crescendo a cada ano porque não temos mais empresas de transporte. Na medida em
que cresce o comércio exterior aumenta, por exemplo, a despesa com transporte,
porque só usamos navios estrangeiros. E cresce a conta de seguros, porque
fazemos seguros no exterior. No fundo, o déficit de conta corrente reflete o
aumento da nossa atividade. Isso é estrutural. Precisamos reverter o quadro de
serviços, a começar pelo turismo.
Valor: Qual seria a taxa de câmbio para equilibrar esse déficit?
Garófalo: Acho que
acima de R$ 2,50. Não digo por cálculo mágico, mas pela experiência de três
anos na Camex e de 40 anos de câmbio. Mas o governo tem que pilotar
rigorosamente essa evolução cambial, não pode deixar solta. Tanto que quando o
câmbio passou de R$ 2,40 o BC fez uma intervenção bastante forte, porque tem a
inflação do outro lado. É um "trade-off" entre ajuste de câmbio e inflação.
O BC vai ter que administrar essa luta.
Valor: Mas se o câmbio for a R$ 2,50 continuaremos com uma inflação
nesse nível e com uma Selic abaixo de 10%?
Garófalo: Acho que
teria que dar um pouco mais de juros. Não sei que outros fatores estão interferindo
na inflação. Parece que estamos com preço de gasolina represado e o das
passagens de transportes público também. Não sei se isso vai ficar para o ano
que vem. Há uma série de incógnitas.
Valor: Quando a balança comercial começará a reagir à taxa de câmbio
mais desvalorizada?
Garófalo: A pergunta é
difícil. O reajuste cambial de 1999 bateu na balança apenas em 2002, 2003 na
verdade. Porque é a tal história: quando o exportador deixou de exportar por
conta de preço, ele perdeu mercado. Não é porque o câmbio subiu que ele vai
colocar produto lá fora. Primeiro tem que se convencer de que o câmbio vai
ficar bom para ele. Não é uma coisa de um ou dois dias. Depois tem que sair
reabrindo mercado, procurando clientes um a um. Tem um "lag" (atraso)
aí de pelo menos um ano para impactar a balança comercial.
Valor: Só o câmbio é suficiente para o país ser competitivo?
Garófalo: Não é
suficiente, mas é necessário. Tem um debate se o câmbio deve ter muita
interferência, se deve ser deixado livre ou não. O primeiro parceiro comercial
do Brasil, a China, não tem câmbio livre. O segundo, os Estados Unidos, não tem
câmbio, e mesmo assim estão lá fazendo um tal de "QE" [afrouxamento
monetário], despejando dinheiro todo dia para enfraquecer o dólar. Nosso
terceiro parceiro, a Argentina, também não tem câmbio livre. O Japão não tem
câmbio livre, a Suíça também não. Acho que o Brasil tem que perder a vergonha e
botar o dedo no câmbio mesmo.
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